sábado, 2 de outubro de 2010

A espiral austera

Não há planos económicos milagrosos para conter a crise: só a luta social contra a ditadura dos mercados pode colocar um ponto final na espiral austera.

Os sucessivos pacotes de austeridade desenham um percurso em espiral com o radicalizar progressivo da política criadora de recessão e desemprego. Isto porque os ingratos “mercados”, mesmo depois de terem sido salvos pelos Estados, clamam pelo sangue dos PIGS. E, no movimento descendente da espiral austera que segue esse clamor, ecoam declarações ora de um penoso realismo impotente, uma vez que tem de ser assim, ora de um exultante sentimento de vingança, já que agora é que os mercados vão finalmente meter todo o desarranjo nacional na linha. Entre as duas vozes, PEC é um nome possível para designar a linha dessa espiral em direcção ao caos social.
Apesar da receita se repetir em todo o lado, pode-se dizer que a espiral austera toca sobretudo aos PIGS assim como quem lembra que a crise financeira foi um piparote suficiente para fazer ir com os porcos o periclitante pacto europeu não escrito (as regras e os benefícios dos grandes pagos supostamente com a contrapartida das ajudas aos pequenos). As ajudas dos grandes são agora empréstimos pagos com a imposição aos improdutivos e subsidio-dependentes PIGS (gregos e outros gregos que tais) de PECs. Que os PIGS, para eles, são como os ciganos para quem pensa com o formato do preconceito: vivem de um Rendimento Social de Inserção e não querem nada com o trabalho. E assim continuam a ditar de acordo com a sua conveniência as regras do Euro forte e dos deficits públicos apertados à sua medida e ajudando a cobrar a caro quem se arruinou (não só mas também) com esta política.
A crise e a espiral austera que a acompanha foram por sua vez o piparote que deu cabo dos restos do pacto social vigente internamente e já moribundo: o fim da ditadura e a integração europeia permitiram melhoria das condições de vida (entendida sobretudo como das possibilidades de consumo), apesar dos salários serem baixos compensava-se materialmente com crédito, ao mesmo tempo que a transferência de direitos sociais conquistados anteriormente ia acontecendo criando uma mais valia descarada para uma burguesia parasita do Estado). Agora a quantidade de “sacrifícios” impostos e a sua distribuição prova que a crise bate à porta dos mais fracos arrombando-a e que a espiral é austera mas selectivamente. Para além do mais, não ficamos nunca a saber até onde vão os “mercados” exigir a diminuição do nível de vida.
Face ao anúncio destas medidas pelo governo, não há alternativa: ou dizemos basta ou este PEC3 significará uma crise de uma profundidade assustadora podendo a mesma lógica da espiral austera arrastar-nos depois para um PEC4 ainda pior, continuando com os remédios de sempre que agudizam os mesmos males. E porque a espiral austera obedece aos interesses e chantagens especulativos não deixa espaço ambiguidades, neutralidades políticas ou meias palavras: só o “não” serve. E não há planos económicos milagrosos para conter a crise: só a luta social contra a ditadura dos mercados pode colocar um ponto final na espiral austera.

Autor: Carlos Carujo (Professor)

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