Esta semana, o governo de Sócrates declarou que os medicamentos iriam ficar mais baratos em 8%, em resultado da aprovação de um novo decreto-lei. Assim dito, quase merecia um aplauso. Mas não é bem assim: aqueles que mais deles precisam - os mais pobres e os mais idosos - terão de pagar mais.
Até aqui vigorava um sistema segundo o qual alguns medicamentos eram comparticipados na totalidade, beneficiando muitas das pessoas incluídas nesses dois grupos. Com o novo decreto-lei, essa comparticipação passa a ser de 95%. Na leitura do governo, não é relevante que estas pessoas tenham de passar a pagar mais pelos medicamentos que compram. O que é relevante aqui é que com esta redução de 5% se está a combater os "abusos que se verificavam com esta comparticipação especial". Não deixa de ser contraditório o facto de o anúncio ser simultaneamente de baixa nos custos dos medicamentos e de corte na despesa pública. Se o governo tem como objectivo poupar 250 milhões de euros por ano com esta medida, é óbvio que essa poupança terá de sair dos bolsos de alguém.
Medida atrás de medida, na saúde como nos direitos sociais, é esta a mensagem que se quer fazer passar: acabe-se com os abusos! Como é que é possível continuar a fazer sempre o mesmo discurso e actuar de forma absolutamente inversa? Se esta semana o anúncio foi sobre os medicamentos, podemos lembrar inúmeros exemplos onde a mensagem foi exactamente a mesma: corte-se nos "abusos" das pensões; corte-se nos "abusos" dos subsídios de desemprego; corte-se nos "abusos" do rendimento social de inserção.
Uma administração pública mais rigorosa e mais transparente é um objectivo pelo qual todos devemos lutar. Fazê-lo passar, contudo, pelo sistemático ataque aqueles que menos meios têm, convenhamos, começa já a ser um abuso. As escolhas são sempre políticas. Haja, então, coragem para impor alguma justiça. Isso, sim, seria uma boa medida para evitar abusos.
Marisa Matias (Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.)
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